segunda-feira, junho 18, 2007
Essa é minha vida. Me dá sua mão. Vamos para o mundo onde andamos por
cima da água, os elefantes nadam com as baleias, podemos entrar nos tornados
e subir com eles até aos céus e ver o que tem ali. Depois de tudo visto - a eternidade,
vamos ao que resta, rumo ao infinito, acima e avante, onde os anjos de Win
Wenders são felizes e toda a arte está além da humanidade. Eu odeio poesia.
Eu odeio tudo que não sobe direto ao céu, coisas envoltas em rolos de palavras.
Para nada. No meu mundo os avestruzes e pavões perseguem componentes de
escola de samba e dançarinas do Folies Bergere evoluem em torno de camas
de hospital. Os postes da cidade, são habitação de humanos, espalhados por
esquinas, onde todos sabem o endereço de um Cobrador. Onde, o primeiro
plano será sempre a floresta intocável, a mata atlântica, a Copacabana
tropical, o verde-dourado das virtudes e a fulgurante cor do morro do Turano
e mais além, a do Complexo do Alemão.
***
Na minha janela só vespas, abelhas, esse gavião que entra, sem nenhuma
cerimônia, atrás de comida fácil. Não vim aqui para ter uma vida perfeita.
Vim para visitar amigos em hospícios, ir a enterros, morrer de bala perdida,
ter a cabeça jogada contra as grades de uma prisão, ser arrastada pela barbárie,
presa a um cinto de segurança. Vim para me perder de mim mesma, correr
pela rua fugindo de crianças, em ausências, sem identidade, interpretando
mal a Era de Aquário, procurando igrejas, gurus que materializam relógios Rolex
do outro lado do mundo e depois, no último minuto, entender a essência de
tudo mas, que pena, morrer.
***
Da minha janela vejo os traços das balas que o traficantes gastam. É munição
vencida. Essa é toda a verdade. A vida aqui se resume ao trajeto da munição
vencida. De um lado a sétima maravilha e do outro, pessoas encontradas mortas
em latas de lixo. Nossos amigos morrem mas, continuamos. Avistamos os
aviões prateados, lindos, a mágica acontece, estendemos a mão e então,
o céu é tão azul.
***
Na praça, á noite, todos eles percebem, assim, quando deixo ao alcance
da vista, meus olhos, que apesar da aparência, não vim ao mundo a passeio.
Isso me dá salvo-conduto.
***
A viagem acabou mas continue daqui, ele me disse. "A vida, em sua estranha
generosidade, nos permite morrer várias vezes e ainda continuarmos vivos para
criarmos coisas brilhantes e nos sentirmos uma fraude a maior parte do tempo."
***
Ele me disse, solta a minha mão, a visita acabou mas permaneça tranquila, a vida
é um sonho realizado, (com todas as linguas mortas e as palavras que não
sobem aos céus e os insucessos profissionais e as dietas e os vestidos que
não cabem e as ilusões de Maya), pois mesmo com tudo que não se entenda da
causa de viver ou por tudo que a vida tem de sentido, a revanche é que a existência, em
seus enganos, nos transforma em deuses e deusas: na nossa impotência
delirante diante da cidade sitiada, desses mapas impossíveis, não existe
atributo mais desejado do que o que temos: o de abençoarmos nossos filhos.
**
A vida só existe se abençoarmos nossos filhos. Abençoe seus filhos.
Abençoe seu filho. Abençoe sua filha. Abençoe sua irmã. Abençoe seu pai.
Abençoe seu gato. Abençoe seu passarinho. Abençoe seu iguana. Abençoe
sua calopsita. Viva a sua vida como se fosse ouro. A vida é ouro. A vida é
diamante. Abençoe seus amigos. No mais, solte minha mão, "volte para sua
vida, o dia está só começando e essa é minha cidade e não sua biografia".
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