sábado, maio 29, 2010



Do blog Eneaotil via Cristina Carriconde

"Família Santa Clara
28 maio, 2010


Aos leitores do Eneaotil, nunca pedi nada por aqui. Mas gostaria de fazer um barulho
em relação a essa história. Peço que leiam até o final e que divulguem. Que contem
a seus amigos jornalistas, que enviem esta história para os jornais, que relatem tudo
o que eu contei aqui hoje, na mesa do jantar. Que compartilhem este escândalo no
Google Reader, no Twitter, em listas de discussões. Que ajudem. Porque todo
mundo aqui teve a oportunidade de ter uma família e sabe o quanto isto foi importante.

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O casamento da Claudinha e do Pablo

Conheci a Família Santa Clara no casamento da Claudinha e do Pablo, em
2006, quando fui até o Rio de Janeiro para prestigiar a boda dos amigos e
passar uns dias com meu irmão. Nunca tinha ido a um casamento daqueles,
com uma família tão grande. Tão grande que não tinha espaço no altar montado
na sala da casa para todos os padrinhos. Nem espaço para todos os amigos,
primos, irmãos, tios, tias acompanharem a cerimônia sentados.

É melhor explicar tudo do começo: o Pablo é filho do Seu Cícero e da Dona
Eliete, casal que, apesar do sobrenome Soares de Castro Rosa, criou a Família
Santa Clara. Fazem parte desta família, além dos três já citados anteriormente e
de Claudinha que se juntou a todos em 2006, Thiago e Diogo, filhos de sangue
de Seu Cícero e da Dona Eliete, e outras dezenas de crianças, adolescentes e
jovens que a sociedade abandonou, renegou, nem quis saber.

É isso mesmo: além de ter três filhos de sangue, Dona Eliete e Seu Cícero
resolveram cuidar de gente que vinha das ruas, que tinha sido abandonada pela
família biológica, órfãos e todos os outros tipos de vulnerabilidade social que
se pode imaginar.

Desde que a Santa Clara surgiu mais de 1000 pessoas já fizeram parte desta
família, cresceram e se desenvolveram naquela casa gigante de Vargem Grande,
no Rio. Foram incluídos na sociedade, receberam estudo, proteção e, sobretudo,
amor. Alguns saíram dali direto para uma Universidade, um futuro que parecia
impossível. Outros saíram dali para construir sua própria família. E só pode ter
sua própria família quem sabe o que significa ter uma.

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No casamento de 2006, entendi que ali não era um simples abrigo. Eu, que
trabalho com educação e projetos sociais há 10 anos, vi que o clima era mesmo
diferente. Não era uma associação, um abrigo frio onde crianças e adolescentes
esperavam uma adoção, um lugar simplesmente provisório onde se podia
sonhar com uma vida melhor. O sonho era ali, acontecia todos os dias.

Ter uma família significa muito mais do que ter oportunidade de cursar uma
faculdade, de fazer uma oficina de costura, de dança, de leitura e produção de
textos, de agricultura, de informática e de artesanato, como a maioria dos projetos
sociais oferece por aí (e, diga-se de passagem, a Santa Clara oferece também).

Ter uma família é poder assistir à novela junto antes de dormir, sentar à mesa
para comer e contar como foi o dia, esfolar os joelhos e receber um beijo da
mãe para sarar, tomar bronca do pai quando comeu o biscoito antes da refeição
e perdeu a fome. É brincar com o cachorro, correr no quintal, sentar com as
irmãs na cama para fazer fofoca, receber visita dos tios no fim de semana,
ouvir música que a maioria gosta (ou que só você gosta). É aprender com os
pais a ter senso crítico, a ter responsabilidades. É ficar de castigo quando foi
para a Diretoria na escola, é ter alguém para ir à reunião de pais e mestres pegar
as suas notas. É alguém te chamar pelo nome, é ter um nome e um sobrenome.
É poder ir ao casamento do seu irmão sem mesmo precisar ter o mesmo sangue.

Todos eles estavam no casamento, centenas de pessoas. Todas as crianças de
vestido, bem arrumadas, bem penteadas. Talvez a única oportunidade que tenham
tido para ir a um casamento.

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Conheci William Prudêncio durante a cerimônia. Lindo, com a mesma idade que eu.
Em 2006, tínhamos 23 anos e ele morava na Família Santa Clara desde 1998.
Chegou lá aos 15 anos, transferido de outra instituição onde só se podia ficar
até esta idade.

Sua mãe está viva, mas William não sabe dela. Deixou-o ainda pequeno com
uma senhora que faleceu quando ele tinha 8 anos de idade. A idade que o Lucas
tem hoje. E dos 8 aos 13 morou no morro, na favela e em outras comunidades.
Até morar na rua.

Aí, aos 13 anos, pediu ajuda em uma instituição, onde só pode ficar até os 15 e
depois foi para a Santa Clara. Até os 13 anos, nunca tinha sentado em uma sala de
aula. Depois começou a freqüentar a escola. E quando foi para a Santa Clara, ganhou
uma família. A influência de Seu Cícero e Dona Eliete, pessoas simples, mas cultas,
fizeram com que William decolasse.

Hoje, aos 27 anos, já é economista formado e este ano conseguirá a graduação
no curso de Relações Internacionais.

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Voltei para visitar a família Santa Clara em julho de 2008. Conheci a tradicional
festa junina (em 2008 foi julina), gigante também, do tamanho daquela família.
As crianças brincavam à vontade na barraca (assim como meu filho Lucas),
dançaram quadrilha, se divertiram. Uma grande fogueira queimava no canto da
festa. A casa estava toda enfeitava.

Me lembro que eu estava em uma fase difícil. Tinha terminado um namoro de
uma maneira sofrida, fui para distrair a cabeça. E só ali eu consegui. Não por
causa do velho papo de que a gente esquece os nossos problemas quando
conhece alguém em situação pior, pelo contrário. Eu não acredito nisso. A
gente só esquece os nossos problemas do lado de gente feliz. E era ali onde
eu estava: do lado de gente muito feliz.

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Nesta semana, a Justiça foi até a Família Santa Clara e levou todas as crianças.
Alegaram que a casa era inabitável e que aquele não era um ambiente bom para
morarem. Uma bagunça ou outra, talvez, o que é normal em uma casa com
bastante criança. Tenho medo de receber uma visita de um promotor público
porque é capaz de levarem o Lucas embora já que ao entrar no meu apartamento
é possível tropeçar em uma porção de brinquedos. O Lucas é bagunceiro.
Isso não significa que a casa dele, junto da família dele, não é um ambiente
bom para ele morar.

O Ministério Público alegou que a casa precisava de reformas, mas não
havia dinheiro para tais reformas já que a Família Santa Clara funcionava da
boa vontade de instituições e pessoas parceiras. Ninguém cuidava de crianças
ali para gerar renda, para trabalho infantil, para produzir retorno financeiro.
Só havia gastos, grandes gastos e nenhum incentivo público. Em 2006, o
principal apoiador financeiro deixou de contribuir com a Santa Clara e eles
passavam por dificuldades. Ao invés de apoiar com o pouco necessário, o 
poder público resolveu enterrar a família de vez. Tirou os filhos do 
convívio de seus pais, afastou irmãos do convívio de irmãos.

As crianças e os adolescentes menores de idade foram mandados 

para abrigos diferentes, em diversas regiões da cidade. E foram afastados 
das escolas por 10 meses, já que estavam matriculados em unidades 
escolares ali da região de Vargem Grande. Só poderão voltar a freqüentar 
as aulas no ano que vem.

Não entendo como isso pode ser melhor do que estar na Família 

Santa Clara. Não compreendo leis que determinam que os abrigos 
devem ser provisórios, por exemplo. A nova lei da adoção diz que a 
criança deve ficar no máximo dois anos. E depois? O que acontece se 
essas crianças não forem adotadas por uma família?

Tiraram crianças de 07 a 16 anos da Família Santa Clara. Quem adota 

um adolescente de 12 anos? 14 anos? 16 anos? O pior é a gente saber 
que tiraram essas crianças da única família que tiveram para mandar 
para família nenhuma.

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Abaixo, a lista de crianças e adolescentes que foram retirados da Família
Santa Clara:

W. tem 7 anos e é o mais novo. Estudava no Colégio Vargem Grande,
que é particular. É irmão de U., de 8 anos, e N., de 13 anos. Estavam na
casa há 5 anos aproximadamente. Não tinham nenhuma referência familiar.
W. chorou a noite toda no novo abrigo e ainda não entendeu o que está acontecendo.

L. tem 9 anos e é irmã da menina G., de 10 anos e do adolescente
G., de 15 anos. Estão na Família Santa Clara desde muito pequenos,
as meninas desde bebê. A mãe faleceu e as duas estão começando a
aceitar isso só agora, depois de muito acompanhamento psicológico e
colo da Dona Eliete e Seu Cícero.

As meninas foram separadas do irmão, que foi enviado para
outro abrigo.

L. tem 14 anos e é irmão de C., de 13 anos. Estão na família Santa
Clara há 5 anos. Não tinham nenhuma referência familiar.

A. tem 13 anos e é irmão de A., de 9 anos. Os dois tem pai biológico,
mas são visitados por ele no máximo uma vez ao ano.

A. tem 8 anos e é irmã de J., de 10 anos e do adolescente J., de 13 anos.
Os três tem mãe, mas ela os mandou para a Santa Clara por diversos motivos.
As meninas foram separadas do irmão e mandadas para abrigos diferentes.

A adolescente A. é a mais velha de todos os que foram separados
da família Santa Clara pelo Ministério Público. Ela tem 16 anos e é órfã.

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Para saber mais sobre a Família Santa Clara, acesse:
Família Santa Clara.

Assista à reportagem do RJTV, pelo link:
Justiça fecha Associação Santa Clara.

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UPDATE: o RJTV continua acompanhando o caso. Assista:
Coordenadores do Abrigo querem crianças de volta.

O texto está sendo amplamente divulgado, mas continuem divulgando. Vamos invadir os e-mails, blogs, twitters dos formadores de opinião, por favor? Repliquem o texto no blog de vocês, se quiserem.

Obrigada."

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