quinta-feira, maio 29, 2003


A casa dos meus sonhos tem um quarto de bagunça, com espelho e barra de balé. Tem lugar pra
fazer vidros e tem laboratório de fotografia; pequeno, em cima da garagem mas, quantas alegrias.
Tem quarto acusticado, com um estúdio meio cucaracha, mas que dá pro gasto. Lá, Felipe toca
bateria sempre que quiser. A casa dos meus sonhos, tem banheiras nos banheiros. Música. Na
minha casa tem música sempre. Ao vivo ou de rádio ou de cd, quiçá de vinil, em qualquer lugar
que se vá. E tem pcs, laps, dvds, tvs, cels, cds, que mais pessoal da área tec?. A cozinha tem
muitas panelas penduradas, janelas que dão pro quintal, mesa grande, pra onde se vai em primeiro
lugar, quando se chega em casa. Lá tem bolo e fruta e compota, sempre café quentinho e cesto
de pães e queijinhos que eu mesmo faço. A casa dos meus sonhos, quando está em silêncio, tem
som de aragem no bambuzal e passarinho. Todos os quartos dão pro leste. Detrás da casa tem um
morro com mangueiras e, se voce subir, lá de cima dá pra ver o mar. Ali, tem um tablado onde a
gente senta pra meditar e o telescópio. Tem um caminhozinho pelas pedras, que vai dar na praia
e ás vezes, de madrugada, dependendo da direção do vento, dá pra ouvir as ondas na sala de estar.
Na casa dos meus sonhos tem muita flor, flor antiga, brinco de princesa, roseiral, caramanchão
com aquelas florezinhas vermelhas, que a gente faz colar e tiara, tem aquela que é cor de rosa
com cheirinho doce e tem balanço na árvore e varais de bambu. Tem fonte de mármore com uma
cara feia esculpida, que a gente vê e escuta da mesa de almoço. Barulhinho de água que remete
a lembranças boas ou não. A casa dos meus sonhos tem casa de hóspedes, porque sempre tem
alguém de passagem ou que está longe de casa ou que precisa de um tempo. Tem amigos que
chegam sem aviso e vão pra cozinha com uma nova receita pro almoço. E tem as histórias, ahh,
as histórias...A casa dos meus sonhos tá sempre em movimento, é uma obra em aberto. É para
onde todos vão quando precisam de um lugar seguro. É pra onde os amigos se mudam
provisóriamente. É o primeiro lugar que se pensa pra celebrar o nascimento de um filho, criança ou
idéia. A casa dos meus sonhos se empresta pra amiga dar aula de alongamento, se empresta
pras festas de lançamento, pro grupo de estudo, pra leitura da peça, se empresta pro amigo compor
em paz, escrever em paz, pintar em paz, sonhar em paz. Na casa dos meus sonhos, tem a época
sagrada. É nos dias de outono, ás tres e quarenta e cinco da tarde, exatamente. É quando o
sol bate na fruteira da sala e coloca em foco, áquela fruteira enorme, abundante e rica, que
herdei de minha avó e o silêncio impera por um minuto e, todas as coisas se juntam num
lugar só. Todas as respostas, eternamente, como aquele raio de sol que revela segredos em
Machu Picchu, em Stonehenge , na Piramide, no Solstício de Inverno, que abençoa todas as
bençãos e a gente vê que nada é diferente. É deus dançando na luz e os corações se acalmam.
Nesse momento eu sempre sei que vai dar tudo certo. Na casa dos meus sonhos tem sempre
alguém pra cuidar de mim, tem sempre alguém pra eu cuidar. Na casa dos meus sonhos eu posso
viajar por meses, posso trabalhar, virar noite, que tem alguém pra olhar por Felipe. Tem aquela
amiga que faz as vezes da mãe e não deixa a coisa ficar muito bagunçada e com quem eu sempre
acabo brigando porque afinal, é minha a bagunça e a bagunça é minha, portanto... Mas a gente
acaba fazendo as pazes porque ela faz parte daquela região, onde os insuportáveis-adoráveis
habitam e que toda vida precisa ter. A casa dos meus sonhos é o destino dos desgarrados no
Natal, dos que não tem mãe no dia das mães, dos que não se importam em ser ridículos. Na
minha casa alguém já encontrou, pela primeira vez, o seu grande amor e já curou aquele porre-
coma-alcólica, que precisava tomar, pra cair em si. Na casa dos meus sonhos tem geladeira Frigidaire
dos anos 50 e tem marca giz no chão: é território wireless. Não tem mosquito, não tem ruido.
Os egoístas se afastam, os covardes se sentem constrangidos, os oportunistas são desmacarados
na hora e viram motivo de grandes piadas e risadas homéricas. Na casa dos meus sonhos o ladrão
passa e não tem vontade de roubar; em vez disso, bate palmas no portão, pede um prato de comida,
que eu sirvo; Donana sai da cozinha, desconfiada, passa sermão, ralha, aponta o dedo, afaga a cabeça.
E ele volta outra vez e outra e outra, no final, resolve estudar e se forma Advogado. Criminal. Na casa dos
meus sonhos sabe-se lá a deusa por que mistérios, tem sempre uma criança. Quando um vai crescendo
outro vem chegando. São as filhas da empregada, é o sobrinho do jardineiro, a prima grávida e solteira, são
os filhotinhos. Na casa dos meus sonhos eu vou ter sempre quarenta e cinco anos, que é a idade
certa pra amar. Na casa dos meus sonhos meus ex- namorados são todos meus amigos, meu
ex-marido é meu amigo, meu amor verdadeiro não morreu. Passeia pela casa, de samba-canção,
recitando poemas desconhecidos, contando piadas sem graça só pra me ver rir completamente,
chamando meu cachorro Humphrey Bogart de Bubble Gummers, discursando sobre Iluminismo
e caráter, olhando pra mim com uma espécie de condescendência protetora quando eu dizia
que...nada, a parte mais nobre do ser humano não é o cérebro é sim o coração!, e, deixando
sempre, pra todo o sempre, os jornais espalhados pela sala, a espuma de barba sem tampa e
as toalhas molhadas em cima da cama.

Post tijolão, mais ou menos casadinho com a Frau, Kriks, Ma e ela: )

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