Post atrasado:

Final de setembro e eu de blusa de lâ aqui em Pendô, ano passado já rolava ar condicionado.
Ontem eu não dormi não sei porque, não foi insonia, nem angustia, nem nada, ás vezes é
tempo de não dormir, ja passou por isso? Cinco e meia da manhã baixou uma neblina de entrar
pela janela. Fui andar lá fora. Coisa de criança, de meia de lã no chão molhado, maior prazer.
Bom é ouvir o silencio e ouvir o movimento da saia comprida e molenga que, na neblina, fica
com um som pesado, vuush, vuush, parece um mantra. O silencio aqui é total.

Uma vez eu vi um filme, um filme noir, onde um homem passava o filme inteiro andando na
chuva, a aba do terno levantada, no escuro, narrava sua busca pela mulher amada, sua
razão de viver era encontra-la. Só no final do filme é que a gente saca que ele sabia que
ela já estava morta, há muito tempo. Fazia o movimento ininterrupto, circular, de buscar,
nos bares, nos motéis, nas ruelas, nas conversas, porque sem ela, ele não era nada.
A maior parte do tempo a gente fica assim, na vida, buscando uma razão, uma pessoa pra
dar sentido a tudo. O filme termina onde começa. Sim, muitas reflexões mas não pra agora.

Fiquei lembrando desse filme porque o que eu sentia, enquanto andava, era o oposto. Eu
não buscava nada, nem ninguém, nem causa, nem nada, nem desejos, só andava. A gente
passa a vida sendo: sendo socialmente, sendo profissional, sendo a pessoa que o outro quer,
sendo a mãe de alguém, sendo a mulher de alguém, a chefe de alguém, o exemplo de alguém,
se adequando pra ser, deixando de ser pra ser aceita, ou sendo o oposto pra parecer que não
precisa ser. Andando na nelblina naquela hora eu só existia.

Existirmos, a que será que se destina? Quem se importa? Na verdade é a mesma coisa que
perguntar qual palavra é o dicionario. Mas uma percepção é poderosa, a consciência de existir.
Traz uma serenidade inabalável, não tem muita coisa que possa te tirar do eixo, quando voce
sente que existe, não importa o quê.

Então, voce, lembre de existir, quando a sua vida de ser, estiver uma meleca, como a minha, agora :)

28.09.03