quarta-feira, julho 24, 2002




INVERNO

No dia em que fui mais feliz
eu vi um avião
se espelhar no seu olhar até sumir
de lá pra cá não sei
caminho ao longo do canal
faço longas cartas pra ninguém
e o inverno no Leblon é quase glacial.
Há algo que jamais se esclareceu:
onde foi exatamente que larguei
naquele dia mesmo o leão que sempre cavalguei?
Lá mesmo esqueci
que o destino
sempre me quis só
no deserto sem saudades, sem remorsos, só
sem amarras, barco embriagado ao mar
Não sei o que em mim
só quer me lembrar
que um dia o céu
reuniu-se à terra um instante por nós dois
pouco antes do ocidente se assombrar

Antonio Cicero





...Ai, ai..Não adianta; eu tô no resgate do Leblon. Melhor deixar sair antes que ele me assombre para todo o sempre..: )



Uma coisa que eu adorava fazer era ir as premiéres do Leblon II.
Fazia as coisas normais do Sábado, depois conversava um pouco com a minha vizinha;
lá pelas 11 e 15, descia e caminhava até o cinema.
Era a hora que o Leblon começava a crescer na noite.
Essas sessões eram concorridas mas, eu comprava ingresso antes,
então dava pra ir caminhando relax.
Assisti a ótimos filmes lá. Quando a sessão terminava, fazia o caminho de volta a pé
também e nesse horário, 2 e tal, o Baixo fervilhava.
Passava no Guanabara e encomendava uma pizza, uma mousse, uma coca e um Minister.
Enquanto esperava o pedido ficar pronto, assistia divertida, a um monte de “você é quem”
desfilar na minha frente; aquela coisa fashion do bairro, onde é maravilhoso ser local mas,
o melhor é ser anônimo;
(mais ou menos como deve se sentir o mordomo da Madona, hehehe...)
Ficava ali esperando a pizza, olhando o movimento, depois parava na banca da Piauí,
comprava o Globo e o JB e subia pra casa, felizinha, pra terminar meu programão.
Pela ordem; colocava uma camisolona, daquelas compridas que a gente pisa em cima
e degustava a minha pizza, olhando pela janela da sala, escutando a noite.
Sabia que, de madrugada, dá para ouvir o mar lá do segundo quarteirão? Pois dá.
Depois ia pro quarto, espalhava os jornais pela cama e, eu e minha mousse, minha mousse e eu,
líamos os jornais até as 5 da manhã.
Acordava, é claro, ao meio dia, virava um vegetal na frente da TV até as 4, quando voltava dos mortos num banho rápido,
para aproveitar o resto da tarde.
Então, pra fechar o dia, colocava uma roupa gostosa e andava até o
Arpoador para assistir aqueles shows que eram realizados no parque.
Assisti a super shows lá. Joyce, mais de uma vez, Paulo Moura, Victor Biglione;
gente não tão conhecida assim, mas que também batia o maior bolão,
sem falar no show antológico do Tom, que teve aquela parte sincronica com o planeta e a humanidade,
quando ele começou a cantar...” minha alma caaanta, vejo o Rio de Janeeeiro...”
e o avião passando lá, na hora, na frente da gente...
Uma coisa é certa não dá pra descrever pra quem não esteve lá.
Qualquer tentativa é vã, infelizmente.

E era assim o Leblon.

A única nota dissonante desse meu paraíso era no Domingo, já tarde da noite, quando o Fe voltava do pai, sem tomar banho ou com fome, o que era o de menos.
O que doía mesmo era o olhar desconfiado de, pai-é-isso-mesmo,-mãe?.
Vontade de dizer, não meu filho. Não.
Mas, deixa estar, que o próximo Domingo era comigo.


***







***


Falando em Tom Jobim, uma vez, eu estava atravessando pra minha rua e lá vinha o Tom.
Ele me viu atravessando, parou na esquina e abriu o maior sorriso do mundo.
Mas a medida que eu me aproximava, constrangida, ele foi parando de sorrir, constrangido percebendo que tinha me confundido com alguém, provavelmente muito querido.
Seguimos nossos caminhos constrangidos.
Mas eu: com aquele maior sorriso do Tom no coração.




***


E, falando exaustivamente, no Leblon:



Você atravessando aquela rua vestida de negro
E eu te esperando em frente a um certo Bar Leblon
Você se aproximando e eu morrendo de medo
Ali, bem mesmo em frente a um certo Bar Leblon
Quando eu atravessava aquela rua morria de medo
De ver o teu sorriso e começar um velho sonho bom
E o sonho, fatalmente, viraria pesadelo
Ali, bem mesmo em frente a um certo Bar Leblon
Vamos entrar
Não tenho tempo
O que é que houve?
O que é que há...
O que é que houve meu amor,
Você cortou os seus cabelos...
Foi a tesoura do desejo,
Desejo mesmo de mudar...

Acho que era assim, a Tesoura do Desejo,
do Alceu.










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