sexta-feira, agosto 23, 2002



Já dormi numa casa da arvore.
Já beijei vários atores mas nunca na boca.
Já namorei um francês. Já namorei um italiano.
Nunca fui expulsa da escola. Mas fui suspensa.
Já mastiguei hóstia pra ver se era verdade que saía o sangue do Deus.
Já roubei nas Lojas Americanas. Parei. Era muito boa.
Já dancei, mambo, valsa.
Nunca consegui sambar.
Nunca abortei.
Já sentei ao lado do Sting.
Já dormi no colo de um desconhecido.
Já senti desejo e ternura pela mesma pessoa.
Já andei de helicóptero com um tio louco, que pousava como se fosse avião.
Já fiquei três minutos e cinqüenta e oito segundos sem respirar.
Já ajudei a construir um veleiro.
Já participei de um filme.
Já beijei um sapo pra ver se virava príncipe.
Nunca comi caviar ou escargot e jamais comerei.
Acampei. Muito. Mas nunca consegui montar barraca sozinha.
A primeira vez que entrei no mar tinha seis meses, soube nadar desde sempre,
sempre amei o mar.
Já tive um jardim secreto.
Já tive um pomar.
Já tive um filho.
Já caí de moto e me ralei todinha.
Já tive uma casa.
Já saí do meu corpo.
Aprendi a dirigir com um piloto.
Já guiei num autodromo. Já fiz a serra de Petropolis no talo, desgarrando no precipício.
Já fiquei pendurada num precipício.
Já caí de um precipício.
Nunca saí do Brasil mas conheço algumas cidades do mundo como a palma da minha mão.
Já li meu destino nas mãos, nos astros, na areia, nas cartas, nas pedras, nos olhos, na aura,
na alma, no passado e no futuro; nunca o presente.
Já fiquei cinquenta e três dias sem sair de casa.
Nunca ganhei em jogo.
Já engordei quarenta e dois quilos.
Conheci seis pessoas que cometeram suicídio.
Uma delas era poeta e dias antes comprou meu carro.
Outra foi meu tio.
Um era meu amigo.
Um era filho de um.
Um por vazio.
Um por amor.
Já tive um acesso de riso num velório.
Já tive um acesso de riso numa peça do Geraldo Tomás.
Já tive um acesso de riso na cama.
Já tive olho no olho com uma onça pintada.
Aliás, no quesito natureza, já corri de jacaré, já fui abraçada por urso,
já fui perseguida por coruja, já fiquei agarrada às cordas do píer
enquanto passava o tornado.
Já caí do cavalo.
Nos verões da minha infância nadei com golfinhos.
Jamais imaginei que fosse precisar ir tantas vezes a uma delegacia.
Já perdi a oportunidade de ficar calada.
Já chorei por compaixão.
Já ri de desprezo.
Já me achei o máximo.
Já me achei o fim do mundo.
Já me achei.
Acabo me perdendo de novo porque o mundo não pára pra gente ficar se achando.
A gente vai.E nesse indo, no momento, seja isso, o melhor da minha festa:
ir me lembrando pelo caminho, como agora.

Pro Jogo do Currículo da Marina


Nenhum comentário: